Citações de mundo
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“É preciso duas pessoas para fazer alguém, e uma para morrer. É assim que o mundo vai acabar.”

As I Lay Dying
Variante: é preciso duas pessoas para fazer alguém, e uma para morrer. é assim que o mundo vai acabar.

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“Ah, como passam as coisas deste mundo, nada do que se contrói é perene, nada do que se faz é bem lembrado além de seu tempinho, nada fica como está, nunca se volta, nunca se volta.”

Viva o Povo Brasileiro
Variante: Ah, como passas as coisas deste mundo, nada do que se constrói é perene, nada do que se faz é bem lembrado além de seu tempinho, nada fica como está, nunca se volta, nunca se volta.?

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“Entre as repreensões que […] tive que ouvir muitas vezes, havia uma que me incomodava: que eu não sabia o que era a vida, estava cego, e nem ‘queria’ mesmo sabê-lo. Que eu usava viseiras, e estava decidido a jamais enxergar sem elas. Que eu sempre procurava aquilo que conhecia dos livros. Seja porque eu me restringia demais a ‘uma’ espécie de livros, seja porque eu tirava deles as conclusões erradas --- toda tentativa de falar comigo sobre as coisas como efetivamente eram estava destinada ao fracasso. “Você quer que ou tudo seja do mais alto padrão moral, ou então que seja o oposto”. A palavra liberdade, que sempre está em sua boca, é uma piada. Não há pessoa menos livre do que você. É-lhe impossível ficar ‘imparcial’ diante de um acontecimento, sem desenrolar diante deles todos os seus preconceitos, até que já não seja visível. Isso não seria tão grave […] se não fosse essa resistência obstinada, essa arrogância, essa determinação firma de deixar tudo como está, sem alterar coisa alguma. Apesar de todas as suas belas palavras, você não tem ideia […] utilidade que uma pessoa tem para as outras. […] Você, o que faz?.” […] Eu tinha a sensação de que, ao tomar conhecimento de coisas reprováveis, eu me tornava cúmplice das mesmas. Eu não queria aprender, quando aprender significava trilhar o mesmo caminho. Eu me defendia do aprendizado ‘imitativo’. Assim que eu percebia que me ‘recomendavam’ alguma coisa, só porque era costume no mundo, eu empacava e, aparentemente, não entendia o que queriam de mim.”

Elias Canetti (1905–1994)

The Torch in My Ear

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“Você, Lord Byron, é inteligente também, mas uma inteligência fina, penetrante, como aço, como uma espada. Ao contrário de mim, você é mais capaz de se fazer amado do que de amar. Sua lógica é irresistível, mas impiedosa, irritante. É desses remédios que matam a doença e o doente. Você tem sentimento poético, e muito — no entanto é incapaz de escrever um verso que preste. Por quê? Sei lá. Há qualquer coisa que te contém, que te segura, como uma mão. Sua compreensão do mundo, da vida e das coisas é surpreendente, seu olho clínico é infalível, mas você é um homem refreado, bem comportado, bem educado, flor do asfalto, lírio de salão, um príncipe, o nosso Príncipe de Gales, como diz o Hugo. Tem uma aura de pureza não conspurcada, mas é ascético demais, aprimorado demais, debilitado por excesso de tratamento. Não se contamina nunca, e isso humilha a todo mundo. É esportivo, é atlético, é saudável, prevenido contra todas as doenças, mas, um dia, não vai resistir a um simples resfriado: há de cair de cama e afinal descobrir que para o vírus da gripe ainda não existe antibiótico. — Opinião de estudante de Medicina — e Eduardo pro- curava ocultar seu ressentimento com um sorriso. — Você, agora.
(…)
— E você, Eduardo. Você, o puro, o intocado, o que se preserva, como disse Mauro. Seu horror ao compromisso porque você se julga um comprometido, tem uma missão a cumprir, é um escritor. Você e sua simpatia, sua saúde… Bem sucedido em tudo, mas cheio de arestas que ferem sem querer. Seu ar de quem está sempre indo a um lugar que não é aqui, para se encontrar com alguém que não somos nós. Seu desprezo pelos fracos porque se julga forte, sua inteligência incômoda, sua explicação para tudo, seu senso prático — tudo orgulho. O orgulho de ser o primeiro — a vida, para você, é um campeonato de natação. Sua desenvoltura, sua excitação mental, sua fidelidade a um destino certo, tudo isso faz de você presa certa do demônio — mesmo sua vocação para o ascetismo, para a vida áspera, espartana. Você e seus escritores ingleses, você e sua chave que abre todas as portas. Orgulho: você e seu orgulho. De nós três, o de mais sorte, o escolhido, nosso amparo, nossa esperança. E de nós três, talvez, o mais miserável, talvez o mais desgraçado, porque condenado à incapacidade de amar, pelo orgulho, ou à solidão, pela renúncia. Hugo não disse mais nada. E os três, agora, não ousavam levantar a cabeça, para não mostrar que estavam chorando. O garçom veio saber se queriam mais chope, ninguém o atendeu. Alguém soltou uma gargalhada no fundo do bar. Lá fora, na rua, um bonde passou com estrépito.”

O Encontro Marcado

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“Uma das poucas coisas da infância no Meio-Oeste que ainda me fazem falta é essa convicção bizarra, iludida porém inabalável, de que tudo ao meu redor existia única e exclusivamente Para Mim. Serei eu o único a ter possuído essa sensação profunda e estranha quando criança? - de que tudo exterior a mim existia apenas na medida em que me afetava de alguma maneira? - de que todas as coisas eram de alguma maneira, por via de alguma atividade adulta obscura, especialmente dispostas ao meu favor? Alguém mais se identifica com essa memória? A criança deixa um quarto e agora tudo naquele quarto, assim que ela não está mais lá para ver, se dissolve numa espécie de vácuo de potencial ou então (minha teoria pessoal da infância) é levado embora por adultos escondidos e armazenado até que uma nova entrada da criança no quarto ponha tudo de volta em serviço ativo. Será que era insanidade? Era radicalmente egocêntrica, é claro, essa convicção, e consideravelmente paranoica. Fora a responsabilidade que implicava: se o mundo inteiro se dissolvia e se desfazia cada vez que eu piscava, o que aconteceria se meus olhos não abrissem?

Talvez o que me faça falta agora seja o fato de o egocentrismo radical e delusório de uma criança não lhe trazer conflitos nem dor. Cabe a ela o tipo de solipsismo majestosamente inocente de, digamos, o Deus do bispo Berkeley: as coisas não são nada até que sua visão as extraia do vazio: sua estimulação é a própria existência do mundo. E talvez por isso uma criança pequena tema tanto o escuro: não tanto pela possível presença de coisas cheias de dentes escondidas no escuro, mas precisamente pela ausência de tudo que sua cegueira apagou. Para mim, ao menos, com o devido respeito aos sorrisos indulgentes dos meus pais, esse era o verdadeiro motivo por trás da necessidade de uma luz noturna: ela mantinha o mundo nos eixos.”

David Foster Wallace (1962–2008)

Ficando Longe do Fato de já Estar Meio que Longe de Tudo

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“A minha alma era a mesma de sempre, entre lençóis como entre gente, dolorosamente consciente do mundo.”

Fernando Pessoa (1888–1935) poeta português

Livro do Desassossego I

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“A xente boa veu ao mundo para foderse, a mala anda por aí pisando forte. (p. 166)”

Manuel Rivas (1957)

¿Qué me quieres, amor?
Variante: A xente boa veu ao mundo para foderse, a mala anda por aí pisando forte. (p. 166).

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“Foi assim que, de uma hora para outra, habituei-me a uma vida sem leitura.
Pensando bem, isso era muito estranho, pois, desde criança, minha vida gravitava
em torno dos livros. No primário, eu lia os livros da biblioteca e gastava
praticamente toda a minha mesada em livros. Economizava até o dinheiro do
lanche para comprá-los. No fundamental e no ensino médio, não havia ninguém
que lesse mais do que eu. Eu era a filha do meio dentre cinco irmãos e meus
pa1s estavam sempre ocupados com o trabalho. Ninguém da família se
importava comigo. Por isso, eu podia ler à vontade, do jeito que eu bem
entendesse. Eu sempre participava de concursos de ensaios literários. O que me
interessava era o prêmio em cupons de livros, e não foram poucas as vezes em
que ganhei. Na faculdade, cursei letras, inglês, e sempre tirei boas notas. A
monografia de conclusão de curso foi sobre Katherine Mansfield, e fui aprovada
com nota máxima. Os professores me perguntaram se eu não queria continuar
na faculdade e seguir carreira na pós-graduação. Mas, naquela época, eu queria
conhecer o mundo. Sinceramente, eu não fazia o tipo intelectual, e estava ciente
disso. Eu simplesmente gostava de ler livros. E, mesmo que eu optasse por
continuar os estudos, minha família não teria condições financeiras para arcar
com as despesas de uma pós-graduação. Não que fôssemos pobres, mas eu tinha
ainda duas irmãs mais novas. Por isso, assim que me formei, tratei logo de sair
de casa e conquistar minha independência. Literalmente, eu precisava sobreviver
com as próprias mãos”

Haruki Murakami (1949) Escritor japonês

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“Inutilmente parecemos grandes.
Salvo nós nada pelo mundo fora
Nos saúda a grandeza
Nem sem querer nos serve.”

Fernando Pessoa (1888–1935) poeta português

Texto Crítico das Odes de Fernando Pessoa – Ricardo Reis: Tradição Impressa Revista e Inéditos

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“Marques de Sade, o mais livre dos espíritos que já viveu até hoje, tinha conceitos próprios em relação a mulher: ele queria que ela fosse tão livre quanto o homem. Dessas ideias - que tomarão forma algum dia - nasceu duas novelas Justine e Juliette. Não foi mero acidente Sade ter escolhido heroínas ao invés de heróis. Justine é a mulher como ela tem sido até hoje, escravizada, miserável e menos que humana; seu oposto, Juliette, representa a mulher cujo advento ele antecipou, uma figura da qual as mentes ainda não tinham uma concepção, que está ascendendo na humanidade, que deverá ganhar asas, e que deverá renovar o mundo.”

Guillaume Apollinaire (1880–1918)

Variante: Marques de Sade, o mais livre dos espíritos que já viveu até hoje, tinha conceitos próprios em relação a mulher: ele queria que ela fosse tão livre quanto os homem. Dessas ideias - que tomarão forma algum dia - nasceu duas novelas Justine e Juliette. Não foi mero acidente Sade ter escolhido heroínas ao invés de heróis. Justine é a mulher como ela tem sido até hoje, escravizada, miserável e menos que humana; seu oposto, Juliette, representa a mulher cujo advento ele antecipou, uma figura da qual as mentes ainda não tinham uma concepção, que está ascendendo na humanidade, que deverá ganhar asas, e que deverá renovar o mundo.

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“Usava uma camisola larga demais, de crepe cor-de-cereja, que surgia negra contra o lençol. Os cabelos soltos, agora penteados, pareciam negros. O rosto, pescoço e braços, sobre as cobertas, eram cinzentos. Depois que os outros saíram ela ficou durante algum tempo com a cabeça escondida sob o lençol. Assim continuou até ouvir fechar-se a porta, até se apagar o som dos passos que desciam a escada, da voz do médico que se exprimia com volubilidade, da respiração ofegante de Miss Reba. Sons que adquiriram, no sombrio saguão, a cor do luar, e desapareceram. Depois Temple pulou da cama e foi até a porta, fazendo correr o trinco. Voltou ao leito e cobriu-se, inclusive a cabeça, ali ficando encolhida até faltar-lhe o ar.
Derradeiros reflexos cor-de-açafrão tingiam o teto e a parte das paredes onde viam-se as sombras de paliçada da avenida, que a oeste se erguia contra o céu. Ela viu-os desaparecer, consumidos pelos sucessivos bocejos da cortina. Viu também a última luz condensar-se na parte fronteira do relógio e o mostrador passar, no escuro, de orifício redondo a disco suspenso no nada, no primitivo caos, e mudar depois para bola de cristal que continha, na sua tranquila e misteriosa profundidade, o caos ordenado do mundo complicado e sombrio sobre cujos flancos, marcados de cicatrizes, as velhas feridas rolam vertiginosamente para a frente, mergulhando na escuridão onde se escondem novos desastres.”

Sanctuary

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“Aí desaparece o desinteresse e divisa-se o vago esboço do demónio; cada qual para si. O eu sem olhos uiva, procura, apalpa e rói. Existe nesse golfão o Ugolino social.
As figuras ferozes que giram nessa cova, quase animais, quase fantasmas, não se ocupam do progresso universal, cuja ideia ignoram; só cuidam de saciar-se cada uma a si mesma. Quase lhes falta a consciência, e parece haver uma espécie de amputação terrível dentro delas. São duas as suas mães, ambas madrastas: a ignorância e a miséria. O seu guia é a necessidade; e para todos as formas de satisfação, o apetite. São brutalmente vorazes, quer dizer, ferozes; não à maneira do tirano, mas à maneira do tigre. Do sofrimento passam estas larvas ao crime; filiação fatal, geração aterradora, lógica das trevas. O que roja pelo entressolo social não é a reclamação sufocada do absoluto; é o protesto da matéria. Torna-se aí dragão o homem. Ter fome e sede é o ponto de partida; ser Satanás é o ponto de chegada. Esta cova produz Lacenaire.
Acima viu o leitor, no livro quarto, um dos compartimentos da mina superior, da grande cova política, revolucionária e filosófica, onde, como acabou de ver, é tudo pobre, puro, digno e honesto; onde, sem dúvida, é possível um engano, e efectivamente os enganos se dão; mas onde o erro se torna digno de respeito, tão grande é o heroísmo a que anda ligado. O complexo do trabalho que aí se opera chama-se Progresso.
Chegada é, porém, a ocasião de mostrarmos ao leitor outras funduras, as profunduras medonhas.
Por baixo da sociedade, insistimos, existirá sempre a grande sopa do mal, enquanto não chegar o dia da dissipação da ignorância.
Esta sopa fica por baixo de todas e é inimiga de todas. É o ódio sem excepção. Não conhece filósofos; o seu punhal nunca aparou penas. A sua negrura não tem nenhuma relação com a sublime negrura da escrita. Nunca os negros dedos que se crispam debaixo desse tecto asfixiante folhearam um livro ou abriram um jornal. Para Cartouche, Babeuf é um especulador; para Schinderhannes, Marat é um aristocrata. O objetivo desta sopa consiste em abismar tudo.
Tudo, inclusive as sapas superiores que esta aborrece de morte. No seu medonho formigar, não se mina somente a ordem social actual: mina-se a filosofia, a ciência, o direito, o pensamento humano, a civilização, a revolução, o progresso. Tem simplesmente o nome de roubo, prostituição, homicídio e assassinato. As trevas querem o caos. A sua abóbada é formada de ignorância.
Todas as outras, as de cima, têm por único alvo suprimi-la, alvo para o qual tendem a filosofia e o progresso, por todos os seus órgãos, tanto pelo melhoramento do real, como pela contemplação do absoluto. Destruí a sapa Ignorância, e teres destruído a toupeira do Crime.
Humanidade quer dizer identidade. Os homens são todos do mesmo barro. Na predestinação não há diferença nenhuma, pelo menos neste mundo. A mesma sombra antes, a mesma carne agora, a mesma cinza depois. Mas a ignorância misturada com a massa humana enegrece-a. Essa negrura comunica-se ao interior do homem, e converte-se no Mal.”

Les Misérables: Marius

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“Quando o grande sacerdote olha para o rico e para o nobre, ele sorri com compaixão e imagina como é possível que essas pessoas não distingam os prazeres pelos sonhos vazios que são. Quando ele percebe belas mulheres, sua única reação é a piedade que sente pelos homens que habitam o mundo de desilusão e que são lançados às ondas do prazer carnal.
A partir do momento que um homem não mais responde, da maneira que for, às razões que regulam o mundo material, este mundo lhe parece estar em total repouso. Aos olhos do grande sacerdote o mundo aparenta apenas repouso; ela torna-se uma mera figura num pedaço de papel, um mapa de uma terra distante. Quando se adquire um estado de espírito cujas paixões malignas do mundo presente foram completamente extinguidas, o medo também é extinguido. Assim o sacerdote já não é capaz de conceber porque o inferno deveria existir.”

Yukio Mishima (1925–1970)

Death in Midsummer and Other Stories
Variante: Quando o grande sacerdote olha para o rico e para o nobre, ele sorri com compaixão e imagina como é possível que essas pessoas não distingam os prazeres pelos sonhos vazios que são. Quando ele percebe belas mulheres, sua única reação é a piedade que sente pelos homens que habitam o mundo de desilusão e que são lançados às ondas do prazer carnal.
A partir do momento que um homem não mais responde, da maneira que for, às razões que regulam o mundo material, este mundo parecer estar em total repouso. Aos olhos do grande sacerdote o mundo aparenta apenas repouso; tornou-se uma mera figura num pedaço de papel, um mapa de uma terra distante. Quando se adquire um estado de espírito cujas paixões malignas do mundo presente foram completamente extinguidas, o medo também é extinguido. Assim o sacerdote já não é capaz de conceber porque o inferno deveria existir.

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“Se a realidade viesse atingir diretamente nossos sentidos e nossa consciência, se pudéssemos entrar em comunicação imediata com as coisas e com nós mesmos, estou certo de que a arte seria inútil, ou antes, que seríamos todos artistas, porque nossa alma vibraria então continuamente em uníssono com a natureza. Nossos olhos, ajudados pela
memória, recortariam no espaço e fixariam no tempo quadros inimitáveis. Nosso olhar captaria de passagem, esculpidos no mármore vivo do corpo humano, fragmentos de estátua tão belos como os da estatuária antiga. Ouviríamos cantar no fundo de nossas almas, como música por vezes alegre, o mais das vezes lamentosa, sempre original, a melodia ininterrupta de nossa vida interior. Tudo isso está em torno de nós, tudo isso está em nós, e no entanto nada de tudo isso é percebido por nós distintamente. Entre a natureza e nós, apenas? Entre nós e nossa própria consciência um véu se interpõe, espesso para o comum dos homens, leve e quase transparente para o artista e o poeta. Que fada teceu esse véu? Terá sido por malícia ou amizade? Impunha-se viver, e a vida exige que apreendamos as coisas na relação que elas mantêm com nossas necessidades. Viver consiste em agir. Viver é aceitar dos objetos só a impressão útil para a eles reagir de modo adequado: as demais impressões devem se obscurecer ou só nos chegarem confusamente. Enxergo o que creio ver, escuto o que creio ouvir, analiso-me e creio ler no fundo do meu peito. Mas o que vejo e o que ouço do mundo exterior é simplesmente o que meus sentidos extraem dele para esclarecer minha conduta; o que conheço de mim mesmo é o que aflora à superfície, o que toma parte na ação. Meus sentidos e minha consciência só me proporcionam da realidade uma simplificação prática. Na visão que me dão das coisas e de mim mesmo, as diferenças inúteis ao homem são apagadas, as semelhanças úteis ao homem são acentuadas, as vias me são traçadas de antemão por onde minha ação enveredará. Essas são as mesmas pelas quais toda a humanidade passou antes de mim. As coisas foram classificadas com vistas à vantagem que poderei tirar delas. E é essa classificação que percebo, muito mais que a cor e a forma das coisas.”

Laughter: An Essay on the Meaning of the Comic

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“O Édipo não serve estritamente para nada, a não ser para apertar o inconsciente dos dois lados. Veremos em que sentido é que o Édipo é estritamente ""indecidível», como dizem os matemáticos. Estamos fartos dessas histórias em que se está bem de saúde graças ao Édipo, doente do Édipo, e em que há várias doenças dentro do Édipo. Pode até acontecer que um analista se farte desse mito que é a gamela e a cova da psicanálise e que retorne às origens: «Freud nunca chegou a sair nemdo mundo do pai, nem da culpabilidade… Mas foi o primeiro que, ao criar a possibilidade de construir uma lógica de relação com o pai, abriu o caminho para o homem se libertar do domínio do pai. A possibilidade de viver para! d da lei do pai, para lá de qualquer lei, talvez seja a possibilidade mais essencial que a psicanálise freudiana criou. Mas, paradoxalmente, e talvez por causa do próprio Freud, tudo leva a crer que essa libertação que a psicanálise permite se fará - se faz já - fora dela,>. Todavia, não podemos partilhar nem deste pessimismo nem deste optimismo. Porque é preciso muito optimismo para pensar que, psicanálise permite uma verdadeira solução do Édipo: o Édipo é como Deus; o pai é como Deus; só se resolve o problema quando se suprimir tanto o problema (orno a solução. A esquizo-análise não se propõe resolver o Édipo, não pretende resolvê-Io melhor que a psicanálise edipiana. Propõe-se desedipianizar o inconsciente para poder chegar aos verdadeiros problemas. Propóe-se atingir essas regiões do inconsciente órfão «(para lá de todas as leis», em que o problema deixa de poder ser posto. E por consequência, também não partilhamos do pessimismo de pensar que essa mudança, essa libertação só se pode fazer fora da psicanálise. Pensamos, pelo contrário, que é possível dar-se uma reversão interna que. transforme a máquina analítica numa peça indispensável do aparelho revolucionário. Mais: já há mesmo condições objectivas para isso.
Tudo se passa, pois, como se o Édipo tivesse dois pólos: um pólo de figuras Imaginárias de identificação e um pólo de funçóes simbólicas diferenciantes. Mas seja como for estamos edipianizados: se não temos o Édipo como crise, temo-lo como estrutura. Então transmitimos a crise a OUtrOS, e tudo volta a começar. E é esta a disjunção edipiana, o movimento de pêndulo, a razão inversa exclusiva. E é por isso que quando nos convidam a superar uma concepção simplista do Édipo fundada em imagens paternas, por uma concepção em que se definem funções simbólicas numa estrutura, e se substitui o papá-mamá tradicional por uma função-mãe e uma função-pai, não vemos o que é que se ganha com isso, a não ser o fundar a universalidade do Édipo para além da variabilidade das imagens, soldar ainda melhor o desejo à lei e ao interdito, e levar a cabo o processo de edipianização do inconsciente. Estes são os dois extremos do Édipo, o seu mínimo e o seu máximo, consoante o consideremos como tendente para o valor indiferenciado das suas imagens variáveis, ou para a capacidade de diferenciação das suas funções simbólicas. «Quando nos aproximamos da imaginação material, função diferencial
diminui e tende-se para equivalências; quando nos aproximamos dos elementos
formadores, a função diferencial aumenta e tende-se para valências distintivas ». Depois disto, não nos espantava nada ouvir dizer que o Édipo como estrutura é a trindade cristã, enquanto que o Édipo como crise é a trindade familiar, insuficientemente estruturada pela fé; sempre os dois pólos em razão inversa, Édipo for ever.' Quantas interpretações do lacanismo, oculta ou abertamente piedosas, invocaram um Édipo estrutural para formar e fechar o duplo impasse, para nos reconduzirem à questão do pai, para conseguirem edipianizar o esquizo, e mostrar que uma lacuna no simbólico nos remete para o imaginário e que, inversamente, as insuficiências ou confusões imaginárias nos remetem para a estrutura. Como um célebre precursor dizia aos seus animais: chega de lengalenga…”

Anti-Oedipus: Capitalism and Schizophrenia

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“MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO

(1890-1916)

Atque in perpetuum, frater, ave atque vale!
CAT.

Morre jovem o que os Deuses amam, é um preceito da sabedoria antiga. E por certo a imaginação, que figura novos mundos, e a arte, que em obras os finge, são os sinais notáveis desse amor divino. Não concedem os Deuses esses dons para que sejamos felizes, senão para que sejamos seus pares. Quem ama, ama só a igual, porque o faz igual com amá-lo. Como porém o homem não pode ser igual dos Deuses, pois o Destino os separou, não corre homem nem se alteia deus pelo amor divino; estagna só deus fingido, doente da sua ficção.

Não morrem jovens todos a que os Deuses amam, senão entendendo-se por morte o acabamento do que constitui a vida. E como à vida, além da mesma vida, a constitui o instinto natural com que se a vive, os Deuses, aos que amam, matam jovens ou na vida, ou no instinto natural com que vivê-la. Uns morrem; aos outros, tirado o instinto com que vivam, pesa a vida como morte, vivem morte, morrem a vida em ela mesma. E é na juventude, quando neles desabrocha a flor fatal e única, que começam a sua morte vivida.

No herói, no santo e no génio os Deuses se lembram dos homens. O herói é um homem como todos, a quem coube por sorte o auxílio divino; não está nele a luz que lhe estreia a fronte, sol da glória ou luar da morte, e lhe separa o rosto dos de seus pares. O santo é um homem bom a que os Deuses, por misericórdia, cegaram, para que não sofresse; cego, pode crer no bem, em si, e em deuses melhores, pois não vê, na alma que cuida própria e nas coisas incertas que o cercam, a operação irremediável do capricho dos Deuses, o jugo superior do Destino. Os Deuses são amigos do herói, compadecem-se do santo; só ao génio, porém, é que verdadeiramente amam. Mas o amor dos Deuses, como por destino não é humano, revela-se em aquilo em que humanamente se não revelara amor. Se só ao génio, amando-o, tornam seu igual, só ao génio dão, sem que queiram, a maldição fatal do abraço de fogo com que tal o afagam. Se a quem deram a beleza, só seu atributo, castigam com a consciência da mortalidade dela; se a quem deram a ciência, seu atributo também, punem com o conhecimento do que nela há de eterna limitação; que angústias não farão pesar sobre aqueles, génios do pensamento ou da arte, a quem, tornando-os criadores, deram a sua mesma essência? Assim ao génio caberá, além da dor da morte da beleza alheia, e da mágoa de conhecer a universal ignorância, o sofrimento próprio, de se sentir par dos Deuses sendo homem, par dos homens sendo deus, êxul ao mesmo tempo em duas terras.

Génio na arte, não teve Sá-Carneiro nem alegria nem felicidade nesta vida. Só a arte, que fez ou que sentiu, por instantes o turbou de consolação. São assim os que os Deuses fadaram seus. Nem o amor os quer, nem a esperança os busca, nem a glória os acolhe. Ou morrem jovens, ou a si mesmos sobrevivem, íncolas da incompreensão ou da indiferença. Este morreu jovem, porque os Deuses lhe tiveram muito amor.

Mas para Sá-Carneiro, génio não só da arte mas da inovação nela, juntou-se, à indiferença que circunda os génios, o escárnio que persegue os inovadores, profetas, como Cassandra, de verdades que todos têm por mentira. In qua scribebat, barbara terrafuit. Mas, se a terra fora outra, não variara o destino. Hoje, mais que em outro tempo, qualquer privilégio é um castigo. Hoje, mais que nunca, se sofre a própria grandeza. As plebes de todas as classes cobrem, como uma maré morta, as ruínas do que foi grande e os alicerces desertos do que poderia sê-lo. O circo, mais que em Roma que morria, é hoje a vida de todos; porém alargou os seus muros até os confins da terra. A glória é dos gladiadores e dos mimos. Decide supremo qualquer soldado bárbaro, que a guarda impôs imperador. Nada nasce de grande que não nasça maldito, nem cresce de nobre que se não definhe, crescendo. Se assim é, assim seja! Os Deuses o quiseram assim.

Fernando Pessoa, 1924.”

Fernando Pessoa (1888–1935) poeta português

Loucura...

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“SADE
Olhai-os Marat
olhai os antigos donos de todos os bens do mundo
como transformaram em triunfo a sua queda
Agora que lhes roubaram todos os prazeres
O cadafalso guarda-os de tédio infindo
Felizes sobem as escadas
como se subissem ao trono
Não é o cúmulo da corrupção”

Peter Weiss (1916–1982)

The Persecution and Assassination of Jean-Paul Marat as Performed by the Inmates of the Asylum of Charenton Under the Direction of the Marquis de Sade

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“¿Por qué algunos vendremos a este mundo sólo a sufrir?”

Indias blancas