Frases sobre primeiro-ministro
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“Há um morcego de papel da festa das bruxas pendurado num cordão acima de sua cabeça; ele levanta o braço e dá um piparote no morcego, que começa a girar.
- Dia de outono bem agradável - continua ele.
Fala um pouco do jeito como papai costumava falar, voz alta, selvagem mesmo, mas não se parece com papai; papai era um índio puro de Columbia - um chefe - e duro e brilhante como uma coronha de arma. Esse cara é ruivo, com longas costeletas vermelhas, e um emaranhado de cachos saindo por baixo do boné, está precisando de dar um corte no cabelo há muito tempo, e é tão robusto quanto papai era alto, queixo, ombros e peitos largos, um largo sorriso diabólico, muito branco e é duro de uma maneira diferente do que papai era, mais ou menos do jeito que uma bola de beisebol é dura sob o couro gasto. Uma cicatriz lhe atravessa o nariz e uma das maçãs do rosto, o luga em que alguém o acertou numa briga, e os pontos ainda estão no corte. Ele fica de pé ali, esperando, e, quando ninguém toma a iniciativa de lhe responder alguma coisa, começa a rir. Ninguém é capaz de dizer exatamente por que ele ri; não há nada de engraçado acontecendo. Mas não é da maneira como aquele Relações Públicas ri, é um riso livre e alto que sai da sua larga boca e se espalha em ondas cada vez maiores até ir de encontro às paredes por toda a ala. Não como aquele riso do gordo Relações Públicas. Este som é verdadeiro. Eu me dou conta de repente de que é a primeira gargalhada que ouço há anos.
Ele fica de pé, olhando para nós, balançando-se para trás nas botas, e ri e ri. Cruza os dedos sobre a barriga sem tirar os polegares dos bolsos. Vejo como suas mãos são grandes e grossas. Todo mundo na ala, pacientes, pessoal e o resto, está pasmo e abobalhado diante dele e da sua risada. Não há qualquer movimento para faze-lo parar, nenhuma iniciativa para dizer alguma coisa. Ele então interrompe a risada, por algum tempo, e vem andando, entrando na enfermaria. Mesmo quando não está rindo, aquele ressoar do seu riso paira a sua volta, da mesma maneira com o som paira em torno de um grande sino que acabou de ser tocado - está em seus olhos, na maneira como sorri, na maneira como fala. [1]
- Meu nome é McMurphy, companheiros, R. P. McMurphy, e sou um jogador idiota. - Ele pisca o olho e canta um pedacinho de uma canção : -…. " e sempre eu ponho… meu dinheiro… na mesa " - e ri de novo.”

One Flew Over the Cuckoo's Nest

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“Calcula-se que a Peste Negra matou entre um terço e metade dos europeus, e que teve um impacto equivalente na China. Assinalou, para ambas as civilizações, o termo súbito e selvagem de uma era de crescimento e progresso, exacerbada por uma mudança no clima que trouxe invernos muito mais frios e colheitas devastadas. Na Europa, teria alguns efeitos surpreendentes. Excepcionalmente, uma vez que tanto do indispensável campesinato trabalhador nos países ocidentais, como França e Inglaterra, morreu, os que restaram puderam negociar melhores salários e libertar-se um pouco das exigências dos senhorios. Os começos de uma sociedade mais versátil, já não tão aferrada à propriedade da terra pelas famílias nobres, surgiram em consequência da matança bacteriana.
Estranhamente, na Europa Oriental o efeito foi quase inverso. Os proprietários de terras acabaram por ver o seu poder e alcance acrescidos e arrastaram gradualmente o campesinato sobrevivente para uma sujeição mais pesada, designada pelos historiadores como «segunda servidão». Isto foi possível porque os proprietários da Europa Oriental, que chegaram mais tarde ao feudalismo, eram um pouco mais poderosos e bem enraizados antes de ter chegado a epidemia. As cidades da actual Polónia, da Alemanha Oriental e da Hungria eram menos povoadas e poderosas do que as cidades mercantis – apoiadas no comércio da lã e do vinho – do norte de Itália e de Inglaterra. Os progressos nos direitos jurídicos e no poder das guildas na Europa Ocidental poderão não ter sido extraordinários pelos padrões actuais, mas foram suficientes para terem feito pender a vantagem contra a nobreza, num momento em que a força de trabalho era escassa. A leste, a aristocracia era mais impiedosa e deparava com menos resistência do campesinato disperso. Assim, uma modesta diferença no equilíbrio do poder, subitamente exagerada pelo abalo social decorrente da Peste Negra, provocou mudanças extremamente divergentes que, durante séculos, teriam como efeito um maior avanço e uma maior complexidade social da Europa Ocidental em comparação com territórios de aparência semelhante imediatamente a leste.
A França e a Holanda influenciaram todo o mundo; a Polónia e as terras checas influenciaram apenas o mundo da sua envolvência imediata.
Esses efeitos eram, obviamente, invisíveis para aqueles que atravessaram as devastações da peste, que regressaria periodicamente nos séculos mais próximos. No primeiro regresso, particularmente horrendo, as cidades tornaram-se espectros fantasmagóricos do espaço animado que em tempos haviam sido. Aldeias inteiras esvaziaram-se, deixando os seus campos regressarem ao matagal e aos bosques. Prosperaram a obsessão e o extremismo religiosos, e impregnou-se profundamente no povo cristão uma visão sombria do fim dos tempos. As autoridades vacilavam. As artes e os ofícios decaíram. O papado tremeu. Do outro lado da Eurásia, a glória da China Song desmoronou-se e também aí os camponeses se revoltaram. A mensagem de esperança de Marco Polo ecoou em vão entre povos que ainda não estavam suficientemente fortes para se esticarem e darem as mãos.”

Andrew Marr (1959) jornalista britânico

História do Mundo

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“A primeira santidade consiste em pensar no próximo. Vejamos”

Victor Hugo (1802–1885) poeta, romancista e dramaturgo francês

Os miseráveis

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“Sabes qual é o erro que cometemos sempre? Acreditar que a vida é imutável, que, mal escolhemos um carril, temos de o seguir até ao fim. Contudo, o destino tem muito mais imaginação do que nós… Precisamente quando se pensa que se está num beco sem saída, quando se atinge o cúmulo do desespero, com a velocidade de uma rajada de vento tudo muda, tudo se transforma, e de um momento para o outro damos por nós a viver uma nova vida.

[…]

Se, esteja onde estiver, arranjar maneira de te ver, só ficarei triste, como fico triste sempre que vejo uma vida desperdiçada, uma vida em que o caminho do amor não conseguiu cumprir-se. Tem cuidado contigo. Sempre que à medida que fores crescendo, tiveres vontade de converter as coisas erradas em certas, lembra-te que a primeira revolução a fazer é dentro de nós próprios, a primeira e a mais importante. Lutar por uma ideia sem se ter uma ideia de si próprio é uma das coisas mais perigosas que se pode fazer.

Quando te sentires perdida, confusa, pensa nas árvores, lembra-te da forma como crescem. Lembra-te que uma árvore com muita ramagem e poucas raízes é derrubada à primeira rajada de vento, e que a linfa custa a correr numa árvore com muitas raízes e pouca ramagem. As raízes e os ramos devem crescer de igual modo, deves estar nas coisas e estar sobre as coisas, só assim poderás dar sombra e abrigo, só assim, na estação apropriada, poderás cobrir-te de flores e de frutos.

E quando à tua frente se abrirem muitas estradas e não souberes a que hás-de escolher, não metas por uma ao acaso, senta-te e espera. Respira com a mesma profundidade confiante com que respiraste no dia em que vieste ao mundo, e sem deixares que nada te distraia, espera e volta a esperar. Fica quieta, em silêncio, e ouve o teu coração. Quando ele te falar, levanta-te, e vai onde ele te levar.”

Follow Your Heart

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“Coleman passara quase toda a sua carreira acadêmica na Athena; homem extrovertido, arguto, urbano, terrivelmente sedutor, com um toque de guerreiro e charlatão, em nada se parecia com a figura pedante do professor de latim e grego (assim, por exemplo, quando ainda era um jovem instrutor, cometeu a heresia de criar um clube de conversação em grego e latim). Seu venerável curso introdutório de literatura grega clássica em tradução — conhecido pela sigla DHM, ou seja, deuses, heróis e mitos — era popular entre os alunos precisamente por tudo o que havia nele de direito, franco, enfático e pouco acadêmico. "Vocês sabem como começa a literatura europeia?", perguntava ele, após fazer a chamada na primeira aula. "Com uma briga. Toda a literatura europeia nasce de uma briga." Então pegava sua Ilíada e lia para os alunos os primeiros versos. "'Musa divina, canta a cólera desastrosa de Aquiles… Começa com o motivo do conflito entre os dois, Agamenon, rei dos homens, e o grande Aquiles', E por que é que eles estão brigando, esses dois grandes espíritos violentos e poderosos? Por um motivo tão simples quanto qualquer briga de botequim. Estão brigando por causa de uma mulher. Uma menina, na verdade. Uma menina roubada do pai. Capturada numa guerra. Ora, Agamenon gosta muito mais dessa menina do que de sua esposa, Clitemnestra. 'Clitemnestra não é tão boa quanto ela', diz ele, 'nem de rosto, nem de corpo'. É uma explicação bastante direta do motivo pelo qual ele não quer abrir mão da tal moça, não é? Quando Aquiles exige que Agamenon a devolva ao pai a fim de apaziguar Apolo, o deus cuja ira assassina foi despertada pelas circunstâncias em que a moça fora raptada, Agamenon se recusa: diz que só abre mão da namorada se Aquiles lhe der a dele em troca. Com isso, Aquiles fica ainda mais enfurecido. Aquiles, o adrenalina: o sujeito mais inflamável e explosivo de todos os que já foram imaginados pelos escritores; especialmente quando seu prestígio e seu apetite estão em jogo, ele é a máquina de matar mais hipersensível da história da guerra. Aquiles, o célebre: apartado e alijado por causa de uma ofensa à sua honra. Aquiles, o grande herói, tão enraivecido por um insulto — o insulto de não poder ficar com a garota — acaba se isolando e se excluindo, numa atitude desafiadora, da sociedade que precisa muitíssimo dele, pois ele é justamente seu glorioso protetor. Assim, uma briga, uma briga brutal por causa de uma menina, de seu corpo jovem e das delícias da rapacidade sexual: é assim, nessa ofensa ao direito fálico, à *dignidade* fálica, de um poderosíssimo príncipe guerreiro, que tem início, bem ou mal, a grande literatura de ficção europeia, e é por isso que, quase três mil anos depois, vamos começar nosso estudo aqui…”

The Human Stain

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“Rousseau, esse primeiro homem moderno, idealista e 'canaille' numa só pessoa; que necessitava da 'dignidade' moral para aguentar seu próprio aspecto; doente de vaidade e de autodesprezo desenfreados. Esse aborto que se recostou no umbral da nova época também queria 'retorno à natureza' -- para onde, repito a pergunta, queria retornar Rousseau? -- Eu odeio Rousseau inclusive na Revolução: ela é a expressão histórico-universal dessa duplicidade de idealista e 'canaille'. A 'farce' sangrenta com que transcorreu essa Revolução, a sua 'imoralidade', pouco me importa: o que odeio é a sua moralidade rousseauniana -- as chamadas 'verdades' da Revolução, com as quais ela ainda faz efeito e convence para o seu lado tudo o que é raso e medíocre. A doutrina da igualdade!… Mas não há veneno mais venenoso: pois ela parece pregada pela própria justiça, enquanto é o fim da justiça… 'Aos iguais o que é igual, aos desiguais o que é desigual' -- esse seria o verdadeiro discurso da justiça: e, consequência disso, 'jamais igualar o que é desigual.' O fato de as coisas terem transcorrido de maneira tão medonha e sangrenta em torno dessa doutrina da igualdade conferiu a essa 'ideia moderna' par excellence uma espécie de glória e resplendor, de modo que a Revolução como espetáculo também seduziu os espíritos mais nobres. Isso não é, no fim das contas, razão para estimá-la mais. -- Vejo apenas um homem que a considerou da maneira que ela deve ser considerada, com nojo -- Goethe”

Friedrich Nietzsche (1844–1900) filósofo alemão do século XIX

Crepúsculo dos ìdolos: 1

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“Você, Lord Byron, é inteligente também, mas uma inteligência fina, penetrante, como aço, como uma espada. Ao contrário de mim, você é mais capaz de se fazer amado do que de amar. Sua lógica é irresistível, mas impiedosa, irritante. É desses remédios que matam a doença e o doente. Você tem sentimento poético, e muito — no entanto é incapaz de escrever um verso que preste. Por quê? Sei lá. Há qualquer coisa que te contém, que te segura, como uma mão. Sua compreensão do mundo, da vida e das coisas é surpreendente, seu olho clínico é infalível, mas você é um homem refreado, bem comportado, bem educado, flor do asfalto, lírio de salão, um príncipe, o nosso Príncipe de Gales, como diz o Hugo. Tem uma aura de pureza não conspurcada, mas é ascético demais, aprimorado demais, debilitado por excesso de tratamento. Não se contamina nunca, e isso humilha a todo mundo. É esportivo, é atlético, é saudável, prevenido contra todas as doenças, mas, um dia, não vai resistir a um simples resfriado: há de cair de cama e afinal descobrir que para o vírus da gripe ainda não existe antibiótico. — Opinião de estudante de Medicina — e Eduardo pro- curava ocultar seu ressentimento com um sorriso. — Você, agora.
(…)
— E você, Eduardo. Você, o puro, o intocado, o que se preserva, como disse Mauro. Seu horror ao compromisso porque você se julga um comprometido, tem uma missão a cumprir, é um escritor. Você e sua simpatia, sua saúde… Bem sucedido em tudo, mas cheio de arestas que ferem sem querer. Seu ar de quem está sempre indo a um lugar que não é aqui, para se encontrar com alguém que não somos nós. Seu desprezo pelos fracos porque se julga forte, sua inteligência incômoda, sua explicação para tudo, seu senso prático — tudo orgulho. O orgulho de ser o primeiro — a vida, para você, é um campeonato de natação. Sua desenvoltura, sua excitação mental, sua fidelidade a um destino certo, tudo isso faz de você presa certa do demônio — mesmo sua vocação para o ascetismo, para a vida áspera, espartana. Você e seus escritores ingleses, você e sua chave que abre todas as portas. Orgulho: você e seu orgulho. De nós três, o de mais sorte, o escolhido, nosso amparo, nossa esperança. E de nós três, talvez, o mais miserável, talvez o mais desgraçado, porque condenado à incapacidade de amar, pelo orgulho, ou à solidão, pela renúncia. Hugo não disse mais nada. E os três, agora, não ousavam levantar a cabeça, para não mostrar que estavam chorando. O garçom veio saber se queriam mais chope, ninguém o atendeu. Alguém soltou uma gargalhada no fundo do bar. Lá fora, na rua, um bonde passou com estrépito.”

O Encontro Marcado

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“O que significa exatamente inverter a narrativa causal de Freud e pensar as disposições primárias como efeitos da lei? No primeiro volume de A História da Sexualidade, Foucault critica a hipótese repressiva por ela pressupor um desejo original (não "desejo" nos termos de Lacan, mas gozo) que conserva integridade ontológica e prioridade temporal em relação à lei repressiva. Essa lei, segundo Foucault, silencia ou transmuda subsequentemente esse desejo em uma forma ou expressão secundária e inevitavelmente insatisfatória (deslocamento). Foucault argumenta que o desejo, que tanto é concebido como original quanto como recalcado, é efeito da própria lei coercitiva. Consequentemente, a lei produz a suposição do desejo recalcado para racionalizar suas próprias estratégias auto-ampliadoras; e ao invés de exercer uma função repressiva, a lei jurídica deve ser reconcebida, aqui como em toda parte, como uma prática discursiva produtora ou regenerativa- discursiva porque produz a ficção linguistica do desejo recalcado para manter a sua própria posição como instrumento teleológico. O desejo em questão assume o significado de recalcado na medida em que a lei constitui sua estrutura de contextualização: na verdade, a lei identifica e faz vigorar o desejo recalcado como tal, dissemina o termo e, com efeito, cava o espaço discursivo para a experiência constrangida e linguisticamente elaborada chamada "desejo recalcado".”

Judith Butler (1956)
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“Atiro debaixo do primeiro ônibus. Você duvida? edgard”

Nélson Rodrigues (1912–1980) escritor e dramaturgo brasileiro

Otto Lara Resende ou Bonitinha, mas ordinária: Peça em três atos: tragédia carioca

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“O Édipo não serve estritamente para nada, a não ser para apertar o inconsciente dos dois lados. Veremos em que sentido é que o Édipo é estritamente ""indecidível», como dizem os matemáticos. Estamos fartos dessas histórias em que se está bem de saúde graças ao Édipo, doente do Édipo, e em que há várias doenças dentro do Édipo. Pode até acontecer que um analista se farte desse mito que é a gamela e a cova da psicanálise e que retorne às origens: «Freud nunca chegou a sair nemdo mundo do pai, nem da culpabilidade… Mas foi o primeiro que, ao criar a possibilidade de construir uma lógica de relação com o pai, abriu o caminho para o homem se libertar do domínio do pai. A possibilidade de viver para! d da lei do pai, para lá de qualquer lei, talvez seja a possibilidade mais essencial que a psicanálise freudiana criou. Mas, paradoxalmente, e talvez por causa do próprio Freud, tudo leva a crer que essa libertação que a psicanálise permite se fará - se faz já - fora dela,>. Todavia, não podemos partilhar nem deste pessimismo nem deste optimismo. Porque é preciso muito optimismo para pensar que, psicanálise permite uma verdadeira solução do Édipo: o Édipo é como Deus; o pai é como Deus; só se resolve o problema quando se suprimir tanto o problema (orno a solução. A esquizo-análise não se propõe resolver o Édipo, não pretende resolvê-Io melhor que a psicanálise edipiana. Propõe-se desedipianizar o inconsciente para poder chegar aos verdadeiros problemas. Propóe-se atingir essas regiões do inconsciente órfão «(para lá de todas as leis», em que o problema deixa de poder ser posto. E por consequência, também não partilhamos do pessimismo de pensar que essa mudança, essa libertação só se pode fazer fora da psicanálise. Pensamos, pelo contrário, que é possível dar-se uma reversão interna que. transforme a máquina analítica numa peça indispensável do aparelho revolucionário. Mais: já há mesmo condições objectivas para isso.
Tudo se passa, pois, como se o Édipo tivesse dois pólos: um pólo de figuras Imaginárias de identificação e um pólo de funçóes simbólicas diferenciantes. Mas seja como for estamos edipianizados: se não temos o Édipo como crise, temo-lo como estrutura. Então transmitimos a crise a OUtrOS, e tudo volta a começar. E é esta a disjunção edipiana, o movimento de pêndulo, a razão inversa exclusiva. E é por isso que quando nos convidam a superar uma concepção simplista do Édipo fundada em imagens paternas, por uma concepção em que se definem funções simbólicas numa estrutura, e se substitui o papá-mamá tradicional por uma função-mãe e uma função-pai, não vemos o que é que se ganha com isso, a não ser o fundar a universalidade do Édipo para além da variabilidade das imagens, soldar ainda melhor o desejo à lei e ao interdito, e levar a cabo o processo de edipianização do inconsciente. Estes são os dois extremos do Édipo, o seu mínimo e o seu máximo, consoante o consideremos como tendente para o valor indiferenciado das suas imagens variáveis, ou para a capacidade de diferenciação das suas funções simbólicas. «Quando nos aproximamos da imaginação material, função diferencial
diminui e tende-se para equivalências; quando nos aproximamos dos elementos
formadores, a função diferencial aumenta e tende-se para valências distintivas ». Depois disto, não nos espantava nada ouvir dizer que o Édipo como estrutura é a trindade cristã, enquanto que o Édipo como crise é a trindade familiar, insuficientemente estruturada pela fé; sempre os dois pólos em razão inversa, Édipo for ever.' Quantas interpretações do lacanismo, oculta ou abertamente piedosas, invocaram um Édipo estrutural para formar e fechar o duplo impasse, para nos reconduzirem à questão do pai, para conseguirem edipianizar o esquizo, e mostrar que uma lacuna no simbólico nos remete para o imaginário e que, inversamente, as insuficiências ou confusões imaginárias nos remetem para a estrutura. Como um célebre precursor dizia aos seus animais: chega de lengalenga…”

Anti-Oedipus: Capitalism and Schizophrenia

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“(…) se, como se disse muitas vezes, o homem é duplo, é porque ao homem físico se sobrepõe o homem social. Ora, este último supõe necessariamente uma sociedade que ele exprime e à qual ele serve. Quando, ao contrário, ela vem a se desagregar, quando já não a sentimos viva e ativa em torno e acima de nós, o que há de social em nós se vê desprovido de todo fundamento objetivo. Já não é mais do que uma combinação artificial de imagens ilusórias, uma fantasia que um pouco de reflexão é suficiente para fazer desaparecer; nada, por com conseguinte, que possa servir como fim a nossos atos. E no entanto esse homem social é o homem civilizado inteiro; e ele que determina o valor da existência. Disso resulta nos faltarem razões de viver; pois a única vida podemos ter já não responde a nada na realidade, e a única ainda fundada no real já não responde a nossas necessidades. Porque fomos iniciados numa existência mais elevada, aquela com que a criança e o animal se contentam já não consegue nos satisfazer, e no entanto a primeira nos escapa e nos deixa desamparados. Portanto, não há nada mais a que nossos esforços possam se ater e temos a impressão de que eles se perdem no vazio. Nesse sentido é verdadeiro dizer que nossa atividade precisa de um objeto que a ultrapasse. Não é que ele nos seja necessário para nos manter na ilusão de uma imortalidade impossível; é que ele está implicado em nossa constituição moral e não pode ser subtraído, mesmo que em parte, sem que, na mesma medida, ela perca sua razão de ser. Não é preciso mostrar que, num tal estado de abalo, as menores causas de desencorajamento podem facilmente dar origem às resoluções desesperadas. Se não vale a pena viver a vida, tudo se torna pretexto para desvencilhar-se dela.”

Émile Durkheim (1858–1917) Sociólogo francês

On Suicide: A Study in Sociology

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“A Etimologia tentou separar duas raízes: de um lado a raiz-lua que, com men (lua) e mensis (mes) pertence a raíz ma do sacrifício mas; e de outro, a raiz sânscrita manas, com menos (grego), mens (latim) etc., que representa o espirito por excelência.
Da raiz-espírito brota uma ampla ramificação de sentidos espirituais significativos: menos, espirito, coração, alma, coragem, ardor; menoinan, considerar, meditar, desejar; memona, ter em mente, pretender; mainomai pensar e também perder-se em pensamentos e delirar, a qual pertence mania, loucura, possessão e também manteia, profecia. Outros ramos da mesma raiz-espírito são menis, menos, raiva, menuo, indicar, revelar; meno, permanecer, demorar-se, manthano, aprender; menini, lembrar; e mentiri, mentir. Todas essas raízes-espírito originam-se de uma raiz original sânscrita Mati-h, que significa pensamento, intenção.
Em nenhum lugar, seja ele qual for, essa raiz foi colocada em oposição a raiz-lua, men, lua; mensis, mes; mas, que e ligado a ma, medir. Dessa raiz origina-se não só matra-m, medida, mas também metis, inteligência, sabedoria; matiesthai, meditar, ter em mente, sonhar; e, mais ainda, para nossa surpresa, verificamos que essa raiz-lua, pretensamente oposta a raiz-espírito, e da mesma maneira derivada da raiz sânscrita mati-h, significando medida, conhecimento.
Em conseqüência, a única raiz arquetípica subjacente a esses significados e espírito-lua, que se expressa em todas as suas ramificações diversificadas, revelando-nos assim sua natureza e seu significado primordial. O que emana do espírito-lua e um movimento emocional relacionado de perto com as atividades do inconsciente. Na erupção ativa e um espirito igneo: coragem, cólera, possessão e ira; sua auto-revelação conduz a profecia, cogitação e mentira, mas também a poesia. Junto com essa produtividade ignea, no entanto, coloca-se outra atitude mais “ medida “ que medita, sonha, espera e deseja, hesita e se retarda, que se relaciona com a memória e o aprendizado, e cujo efeito e a moderação, a sabedoria e o significado.
Discutindo o assunto em outro lugar, mencionei, como uma atividade primaria do inconsciente, o Einfall, isto e, o pressentimento ou o pensamento que “ estala “ na cabeça. O aparecimento de conteúdos espirituais que penetram na consciência com suficiente forca persuasiva para fascina-la e controla-la, representa provavelmente a primeira forma de emergência do espirito no homem. Enquanto numa consciência ampliada e num ego mais forte esse fator emergente e introjetado e concebido como uma manifestação psíquica interna, no começo parece atingir a psique “ de fora “, como uma revelação sagrada e uma mensagem numinosa dos “ poderes “ ou deuses. O ego, ao experimentar esses conteúdos como vindos de fora, mesmo quando os chama de intuitos ou inspirações, recebe o fenômeno espiritual espontâneo com a atitude característica do ego da consciência matriacal. Porque ainda e verdade, como sempre foi, que as revelações do espírito-lua são recebidas mais facilmente quando a noite anima o inconsciente e provoca a introversão do que a luz brilhante do dia.”

The Fear of the Feminine and Other Essays on Feminine Psychology

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“Então Guinevere quebrou o juramento do matrimônio - disse Nimue. - Você acha que ela foi a primeira? Ou acha que isso a torna uma prostituta? Nesse caso a Britânia está cheia de prostitutas até a borda. Ela não é prostituta, Derfel. Ela é uma mulher forte que nasceu com mente rápida e boa aparência, e Artur amou a aparência e não quis usar a mente dela. Não a deixou torná-lo rei, por isso ela se voltou para aquela religião ridícula. E tudo que Artur fazia era dizer como ela seria feliz quando ele pudesse pendurar Excalibur e começar a criar gado! - Nimue riu da ideia. - E como nunca ocorreu a Artur ser infiel, ele jamais suspeitou de Guinevere. O resto de nós suspeitava, mas não Artur. Ele vivia se dizendo que o casamento era perfeito, e o tempo todo estava a quilômetros de distância e a boa aparência de Guinevere atraía homens como a carniça atrai moscas. E eram homens bonitos, homens inteligentes, homens bem-humorados, homens que queriam o poder, e um era um homem bonito que queria todo o poder que conseguisse agarrar, por isso Guinevere decidiu ajudá-lo. Artur queria um curral de vacas, mas Lancelot quer ser Grande Rei da Britânia, e Guinevere acha esse um desafio mais interessante do que criar vacas ou limpar a merda dos bebês. E aquela religião idiota a encorajou. Árbitra dos tronos! - Ela cuspiu. - Guinevere não estava dormindo com Lancelot porque era uma prostituta, seu grande idiota, estava dormindo com ele pra fazer de seu homem o Grande Rei.”

Enemy of God

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“Mestre, meu mestre querido!
Coração do meu corpo intelectual e inteiro!
Vida da origem da minha inspiração!
Mestre, que é feito de ti nesta forma de vida?

Não cuidaste se morrerias, se viverias, nem de ti nem de nada,
Alma abstrata e visual até aos ossos,
Atenção maravilhosa ao mundo exterior sempre múltiplo,
Refúgio das saudades de todos os deuses antigos,
Espírito humano da terra materna,
Flor acima do dilúvio da inteligência subjetiva…

Mestre, meu mestre!
Na angústia sensacionista de todos os dias sentidos,
Na mágoa quotidiana das matemáticas de ser,
Eu, escravo de tudo como um pó de todos os ventos,
Ergo as mãos para ti, que estás longe, tão longe de mim!

Meu mestre e meu guia!
A quem nenhuma coisa feriu, nem doeu, nem perturbou,
Seguro como um sol fazendo o seu dia involuntariamente,
Natural como um dia mostrando tudo,
Meu mestre, meu coração não aprendeu a tua serenidade.
Meu coração não aprendeu nada.
Meu coração não é nada,
Meu coração está perdido.
Mestre, só seria como tu se tivesse sido tu.
Que triste a grande hora alegre em que primeiro te ouvi!
Depois tudo é cansaço neste mundo subjetivado,
Tudo é esforço neste mundo onde se querem coisas,
Tudo é mentira neste mundo onde se pensam coisas,
Tudo é outra coisa neste mundo onde tudo se sente.
Depois, tenho sido como um mendigo deixado ao relento
Pela indiferença de toda a vila.
Depois, tenho sido como as ervas arrancadas,
Deixadas aos molhos em alinhamentos sem sentido.
Depois, tenho sido eu, sim eu, por minha desgraça,
E eu, por minha desgraça, não sou eu nem outro nem ninguém.
Depois, mas por que é que ensinaste a clareza da vista,
Se não me podias ensinar a ter a alma com que a ver clara?
Por que é que me chamaste para o alto dos montes
Se eu, criança das cidades do vale, não sabia respirar?
Por que é que me deste a tua alma se eu não sabia que fazer dela
Como quem está carregado de ouro num deserto,
Ou canta com voz divina entre ruínas?
Por que é que me acordaste para a sensação e a nova alma,
Se eu não saberei sentir, se a minha alma é de sempre a minha?

Prouvera ao Deus ignoto que eu ficasse sempre aquele
Poeta decadente, estupidamente pretensioso,
Que poderia ao menos vir a agradar,
E não surgisse em mim a pavorosa ciência de ver.
Para que me tornaste eu? Deixasses-me ser humano!

Feliz o homem marçano
Que tem a sua tarefa quotidiana normal, tão leve ainda que pesada,
Que tem a sua vida usual,
Para quem o prazer é prazer e o recreio é recreio,
Que dorme sono,
Que come comida,
Que bebe bebida, e por isso tem alegria.
A calma que tinhas, deste-ma, e foi-me inquietação.
Libertaste-me, mas o destino humano é ser escravo.
Acordaste-me, mas o sentido de ser humano é dormir.”

Fernando Pessoa (1888–1935) poeta português

Poemas de Álvaro de Campos

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