Frases sobre agora
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“Segundo Platão, um filosofo grego:
No início da criação, os homens e as mulheres não eram como hoje; havia apenas um ser, baixo, com um corpo e um pescoço, mas a cabeça tinha duas faces, cada uma olhando para uma direcção. Era como se as duas criaturas estivessem presas pelas costas, com dois sexos opostos, quatro pernas e quatro braços.
Os deuses gregos, porém, eram ciumentos, e viram que uma criatura que tinha quatro braços trabalhava mais, as duas faces opostas estavam sempre vigilantes e não exigiram tanto esforço para ficar de pé ou andar por longos períodos. E, o que era mais perigoso, a tal criatura tinha dois sexos diferentes, não precisavam de ninguém para continuar a reproduzir-se. Então, disse Zeus, o supremo senhor do Paraíso: "Tenho um plano para fazer com que estes mortais percam a sua força."
E, com um raio, cortou a criatura em dois, criando o homem e a mulher. Isso aumentou muito a população do mundo, e ao mesmo tempo desorientou e enfraqueceu os que nele habitavam- porque agora tinham de procurar de novo a sua parte perdida, abraçá-la novamente, e nesse abraço recuperar a força antiga, a capacidade de evitar a traição, a resistência para andar durante longos períodos e aguentar o trabalho cansativo. A esse abraço em que os dois corpos se fundem de novo em um chamamos sexo.
(…)
Depois de os deuses separarem a dita criatura com sexos opostos, por que razão algumas delas resolvem que o dito abraço pode ser apenas uma coisa, um negocio como outro qualquer- que em vez de aumentar, retira a energia às pessoas?”

Eleven Minutes

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“Você, Lord Byron, é inteligente também, mas uma inteligência fina, penetrante, como aço, como uma espada. Ao contrário de mim, você é mais capaz de se fazer amado do que de amar. Sua lógica é irresistível, mas impiedosa, irritante. É desses remédios que matam a doença e o doente. Você tem sentimento poético, e muito — no entanto é incapaz de escrever um verso que preste. Por quê? Sei lá. Há qualquer coisa que te contém, que te segura, como uma mão. Sua compreensão do mundo, da vida e das coisas é surpreendente, seu olho clínico é infalível, mas você é um homem refreado, bem comportado, bem educado, flor do asfalto, lírio de salão, um príncipe, o nosso Príncipe de Gales, como diz o Hugo. Tem uma aura de pureza não conspurcada, mas é ascético demais, aprimorado demais, debilitado por excesso de tratamento. Não se contamina nunca, e isso humilha a todo mundo. É esportivo, é atlético, é saudável, prevenido contra todas as doenças, mas, um dia, não vai resistir a um simples resfriado: há de cair de cama e afinal descobrir que para o vírus da gripe ainda não existe antibiótico. — Opinião de estudante de Medicina — e Eduardo pro- curava ocultar seu ressentimento com um sorriso. — Você, agora.
(…)
— E você, Eduardo. Você, o puro, o intocado, o que se preserva, como disse Mauro. Seu horror ao compromisso porque você se julga um comprometido, tem uma missão a cumprir, é um escritor. Você e sua simpatia, sua saúde… Bem sucedido em tudo, mas cheio de arestas que ferem sem querer. Seu ar de quem está sempre indo a um lugar que não é aqui, para se encontrar com alguém que não somos nós. Seu desprezo pelos fracos porque se julga forte, sua inteligência incômoda, sua explicação para tudo, seu senso prático — tudo orgulho. O orgulho de ser o primeiro — a vida, para você, é um campeonato de natação. Sua desenvoltura, sua excitação mental, sua fidelidade a um destino certo, tudo isso faz de você presa certa do demônio — mesmo sua vocação para o ascetismo, para a vida áspera, espartana. Você e seus escritores ingleses, você e sua chave que abre todas as portas. Orgulho: você e seu orgulho. De nós três, o de mais sorte, o escolhido, nosso amparo, nossa esperança. E de nós três, talvez, o mais miserável, talvez o mais desgraçado, porque condenado à incapacidade de amar, pelo orgulho, ou à solidão, pela renúncia. Hugo não disse mais nada. E os três, agora, não ousavam levantar a cabeça, para não mostrar que estavam chorando. O garçom veio saber se queriam mais chope, ninguém o atendeu. Alguém soltou uma gargalhada no fundo do bar. Lá fora, na rua, um bonde passou com estrépito.”

O Encontro Marcado

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“Uma das poucas coisas da infância no Meio-Oeste que ainda me fazem falta é essa convicção bizarra, iludida porém inabalável, de que tudo ao meu redor existia única e exclusivamente Para Mim. Serei eu o único a ter possuído essa sensação profunda e estranha quando criança? - de que tudo exterior a mim existia apenas na medida em que me afetava de alguma maneira? - de que todas as coisas eram de alguma maneira, por via de alguma atividade adulta obscura, especialmente dispostas ao meu favor? Alguém mais se identifica com essa memória? A criança deixa um quarto e agora tudo naquele quarto, assim que ela não está mais lá para ver, se dissolve numa espécie de vácuo de potencial ou então (minha teoria pessoal da infância) é levado embora por adultos escondidos e armazenado até que uma nova entrada da criança no quarto ponha tudo de volta em serviço ativo. Será que era insanidade? Era radicalmente egocêntrica, é claro, essa convicção, e consideravelmente paranoica. Fora a responsabilidade que implicava: se o mundo inteiro se dissolvia e se desfazia cada vez que eu piscava, o que aconteceria se meus olhos não abrissem?

Talvez o que me faça falta agora seja o fato de o egocentrismo radical e delusório de uma criança não lhe trazer conflitos nem dor. Cabe a ela o tipo de solipsismo majestosamente inocente de, digamos, o Deus do bispo Berkeley: as coisas não são nada até que sua visão as extraia do vazio: sua estimulação é a própria existência do mundo. E talvez por isso uma criança pequena tema tanto o escuro: não tanto pela possível presença de coisas cheias de dentes escondidas no escuro, mas precisamente pela ausência de tudo que sua cegueira apagou. Para mim, ao menos, com o devido respeito aos sorrisos indulgentes dos meus pais, esse era o verdadeiro motivo por trás da necessidade de uma luz noturna: ela mantinha o mundo nos eixos.”

David Foster Wallace (1962–2008)

Ficando Longe do Fato de já Estar Meio que Longe de Tudo

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“Mesmo ler ao sol matinal nada faz para o aliviar. No entanto, isto já não me surpreende, porque o corpo impõe-me agora as suas próprias regras.”

Diário de uma Paixão: Uma das mais emocionantes e intensas histórias de amor

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“Usava uma camisola larga demais, de crepe cor-de-cereja, que surgia negra contra o lençol. Os cabelos soltos, agora penteados, pareciam negros. O rosto, pescoço e braços, sobre as cobertas, eram cinzentos. Depois que os outros saíram ela ficou durante algum tempo com a cabeça escondida sob o lençol. Assim continuou até ouvir fechar-se a porta, até se apagar o som dos passos que desciam a escada, da voz do médico que se exprimia com volubilidade, da respiração ofegante de Miss Reba. Sons que adquiriram, no sombrio saguão, a cor do luar, e desapareceram. Depois Temple pulou da cama e foi até a porta, fazendo correr o trinco. Voltou ao leito e cobriu-se, inclusive a cabeça, ali ficando encolhida até faltar-lhe o ar.
Derradeiros reflexos cor-de-açafrão tingiam o teto e a parte das paredes onde viam-se as sombras de paliçada da avenida, que a oeste se erguia contra o céu. Ela viu-os desaparecer, consumidos pelos sucessivos bocejos da cortina. Viu também a última luz condensar-se na parte fronteira do relógio e o mostrador passar, no escuro, de orifício redondo a disco suspenso no nada, no primitivo caos, e mudar depois para bola de cristal que continha, na sua tranquila e misteriosa profundidade, o caos ordenado do mundo complicado e sombrio sobre cujos flancos, marcados de cicatrizes, as velhas feridas rolam vertiginosamente para a frente, mergulhando na escuridão onde se escondem novos desastres.”

Sanctuary

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“Aí desaparece o desinteresse e divisa-se o vago esboço do demónio; cada qual para si. O eu sem olhos uiva, procura, apalpa e rói. Existe nesse golfão o Ugolino social.
As figuras ferozes que giram nessa cova, quase animais, quase fantasmas, não se ocupam do progresso universal, cuja ideia ignoram; só cuidam de saciar-se cada uma a si mesma. Quase lhes falta a consciência, e parece haver uma espécie de amputação terrível dentro delas. São duas as suas mães, ambas madrastas: a ignorância e a miséria. O seu guia é a necessidade; e para todos as formas de satisfação, o apetite. São brutalmente vorazes, quer dizer, ferozes; não à maneira do tirano, mas à maneira do tigre. Do sofrimento passam estas larvas ao crime; filiação fatal, geração aterradora, lógica das trevas. O que roja pelo entressolo social não é a reclamação sufocada do absoluto; é o protesto da matéria. Torna-se aí dragão o homem. Ter fome e sede é o ponto de partida; ser Satanás é o ponto de chegada. Esta cova produz Lacenaire.
Acima viu o leitor, no livro quarto, um dos compartimentos da mina superior, da grande cova política, revolucionária e filosófica, onde, como acabou de ver, é tudo pobre, puro, digno e honesto; onde, sem dúvida, é possível um engano, e efectivamente os enganos se dão; mas onde o erro se torna digno de respeito, tão grande é o heroísmo a que anda ligado. O complexo do trabalho que aí se opera chama-se Progresso.
Chegada é, porém, a ocasião de mostrarmos ao leitor outras funduras, as profunduras medonhas.
Por baixo da sociedade, insistimos, existirá sempre a grande sopa do mal, enquanto não chegar o dia da dissipação da ignorância.
Esta sopa fica por baixo de todas e é inimiga de todas. É o ódio sem excepção. Não conhece filósofos; o seu punhal nunca aparou penas. A sua negrura não tem nenhuma relação com a sublime negrura da escrita. Nunca os negros dedos que se crispam debaixo desse tecto asfixiante folhearam um livro ou abriram um jornal. Para Cartouche, Babeuf é um especulador; para Schinderhannes, Marat é um aristocrata. O objetivo desta sopa consiste em abismar tudo.
Tudo, inclusive as sapas superiores que esta aborrece de morte. No seu medonho formigar, não se mina somente a ordem social actual: mina-se a filosofia, a ciência, o direito, o pensamento humano, a civilização, a revolução, o progresso. Tem simplesmente o nome de roubo, prostituição, homicídio e assassinato. As trevas querem o caos. A sua abóbada é formada de ignorância.
Todas as outras, as de cima, têm por único alvo suprimi-la, alvo para o qual tendem a filosofia e o progresso, por todos os seus órgãos, tanto pelo melhoramento do real, como pela contemplação do absoluto. Destruí a sapa Ignorância, e teres destruído a toupeira do Crime.
Humanidade quer dizer identidade. Os homens são todos do mesmo barro. Na predestinação não há diferença nenhuma, pelo menos neste mundo. A mesma sombra antes, a mesma carne agora, a mesma cinza depois. Mas a ignorância misturada com a massa humana enegrece-a. Essa negrura comunica-se ao interior do homem, e converte-se no Mal.”

Les Misérables: Marius

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“Tudo isso para que Marco Polo pudesse explicar ou imaginar explicar ou ser imaginado explicando ou finalmente conseguir explicar a si mesmo que aquilo que ele procurava estava diante de si, e, mesmo que se tratasse do passado, era um passado que mudava à medida que ele prosseguia a sua viagem, porque o passado do viajante muda de acordo com o itinerário realizado, não o passado recente ao qual cada dia que passa acrescenta um dia, mas um passado mais remoto. Ao chegar a uma nova cidade, o viajante reencontra um passado que não lembrava existir:Marco entra numa cidade; vê alguém numa praça que vive uma vida ou um instante que poderiam ser seus; ele podia estar no lugar daquele homem se tivesse parado no tempo tanto tempo atrás, ou então se tanto tempo atrás numa encruzilhada tivesse tomado uma estrada em vez de outra e depois de uma longa viagem se encontrasse no lugar daquele homem e naquela praça. Agora, desse passado real ou hipotético, ele está excluído; não pode parar; deve prosseguir até uma outra cidade em que outro passado aguarda por ele, ou algo que talvez fosse um possível futuro e que agora é o presente de outra pessoa.- Você viaja para reviver o seu passado? - era, a esta altura, a pergunta do Khan, que podia ser formulada da seguinte maneira: - você viaja para reencontrar o seu futuro?
E a resposta de Marco:(p. 31-32)”

Invisible Cities

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“Ian permaneceria na aldeia por alguns dias, para se certificar de que Hiram e o povo de Pássaro estavam de comum acordo. No entanto, Jamie não estava absolutamente certo de que o senso de responsabilidade de Ian fosse sobrepujar seu senso de humor - de certa forma, o senso de humor de Ian tendia para o lado dos índios. Uma palavra da parte de Jamie poderia, portanto, vir a calhar, só por precaução.
- Ele tem mulher - Jamie disse a Pássaro, indicando Hiram com um movimento da cabeça, o qual agora estava empenhado em uma conversa séria com dois dos índios mais velhos. - Acho que ele não gostaria de uma mulher em sua cama. Ele pode ser indelicado com ela, não compreendendo o gesto de cortesia.
- Não se preocupe - Penstemon disse, ouvindo a conversa. Olhou para Hiram e seu lábio curvou-se com desdém. - Ninguém iria querer um filho DELE. Agora, um filho SEU, Matador-de-Urso… - Ela lhe lançou um longo olhar por baixo das pestanas e ele riu, saudando-a com um gesto de respeito.
Era uma noite perfeita, fria e revigorante, e a porta foi deixada aberta para que o ar pudesse entrar. A fumaça da fogueira erguia-se reta e branca, fluindo na direção do buraco no teto, seus fantasmas móveis parecendo espíritos ascendendo de alegria.
Todos haviam comido e bebido ao ponto de um agradável estupor, e houve um silêncio momentâneo e uma difusa sensação de paz e felicidade.
- É bom para os homens comerem como irmãos - Hiram observou para Urso-em-Pé, em seu titubeante tsalagi. Ou melhor, tentou. E afinal, Jamie refletiu, sentindo suas costelas rangerem sob a tensão, era realmente uma diferença muito pequena entre "como irmãos" e "seus irmãos".
Urso-em-Pé deu um olhar pensativo a Hiram e afastou-se disfarçadamente para longe dele.
Pássaro observou isso e, após um momento de silêncio, virou-se para Jamie.
- Você é um homem muito engraçado, Matador-de-Urso - ele repetiu, sacudindo a cabeça. - Você venceu.”

A Breath of Snow and Ashes

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“Uma população que afirma, indignada, que é perfeitamente sã agora devora drogas psicotrópicas, como se estivesse pondo açúcar nos flocos de milho.”

The Alarming History of Medicine: Amusing Anecdotes from Hippocrates to Heart Transplants

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“Sempre que alguém me faz essa pergunta, Sharon, eu digo "Estou bem, obrigada", mas, para ser sincera, não estou. Será que essas pessoas realmente querem saber como alguém se sente quando fazem essa pergunta? Ou simplesmente estão tentando ser educadas? - Holly sorriu - Da próxima vez que a minha vizinha me perguntar: "Como você está?", vou dizer "Olha, não estou muito bem, obrigada. Ando me sentindo deprimida e sozinha. Irritada com o mundo. Sentindo inveja de você e sua família perfeita, mas não sinto inveja de seu marido, que tem que viver com você". E então contarei que comecei em um novo emprego e conheci um monte de gente, e que estou me esforçando muito para me reerguer, mas que agora estou perdida, sem saber o que fazer. Depois, direi que fico fula da vida sempre que me dizem que o tempo cura quando, ao mesmo tempo, também dizem que a ausência aumenta a saudade, o que me deixa muito confusa, porque quer dizer que quanto mais tempo se passa, mais eu sinto falta dele. Direi que nada está sendo curado e que todas as manhãs, quando acordo e vejo a cama vazia, parece que estão esfregando sal em minhas feridas abertas. - Holly suspirou fundo - Depois, vou dizer a ela que sinto saudade de meu marido é que minha vida parece sem sentido sem ele. E que estou me desinteressando em continuar a fazer as coisas sem ele, e explicarei que parece que estou esperando o mundo acabar para reencontrá-lo. Ela provavelmente dura apenas "Ah, que bom", como sempre faz, vai beijar o marido e pronto, enquanto eu ainda estarei tentando decidir que cor de camisa vestir para trabalhar.”

Cecelia Ahern (1981) escritora irlandesa
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“(Página 45)
""A enfermaria zumbe da maneira como ouvi uma fábrica de tecido zumbir uma vez, quando o time de futebol jogou com a escola secundária na Califórnia. Depois de uma boa temporada, s promotores da cidade estavam tão orgulhosos e exaltados que pagavam para que fôssemos de avião até a Califórnia para disputar um campeonato de escolas secundárias com o time de lá. Quando chegamos à cidade tivemos de visitar um indústria local qualquer. Nosso treinador era um daqueles dados a convencer as pessoas de que o atletismo era educativo por causa do aprendizado proporcionado pelas viagens, e em todas as viagens que fazíamos ele carregava com o time para visitar fábricas de laticínios, fazendas de plantação de beterraba e fábricas de conservas, antes do jogo. Na Califórnia foi uma fábrica de tecido. Quando entramos na fábrica, a maior parte do time deu uma olhada rápida e saiu para ir sentar-se no ônibus e jogar pôquer em cima das malas, mas eu fiquei lá dentro numa canto, fora do caminho das moças negras que corriam de um lado para o outro entre as fileiras de máquinas.
A fábrica me colocou numa espécie de sonho, todos aqueles zumbidos e estalos a chocalhar de gente e de máquinas sacudindo-se em espasmos regulares. Foi por isso que eu fiquei quando todos os outros se foram, por isso e porque aquilo me lembrou de alguma forma os homens da tribo que haviam deixado a aldeia nos últimos dias para ir trabalhar na trituradora de pedras para a represa. O padrão frenético, os rostos hipnotizados pela rotina… eu queria ir com o time, mas não pude.
Era de manhã, no princípio do inverno, e eu ainda usava a jaqueta que nos deram quando ganhamos o campeonato - uma jaqueta vermelha e verde com mangas de couro e um emblema com o formato de uma bola de futebol bordado nas costas, dizendo o que havíamos vencido - e ela estava fazendo com que uma porção de moças negras olhassem. Eu a tirei, mas elas continuaram olhando. Eu era muito maior naquela época. ""

(Página 46)

""Uma das moças afastou-se de sua máquina e olhou para um lado e para o outro das passagens entre as máquinas, para ver se o capataz estava por perto, depois veio até onde eu estava. Perguntou se íamos jogar na escola secundária naquela noite e me disse que tinha um irmão que jogava como zagueiro para eles. Falamos um pouco a respeito do futebol e coisas assim, e reparei como o rosto dela parecia indistinto, como se houvesse uma névoa entre nós dois. Era a lanugem de algodão pairando no ar.
Falei-lhe a respeito da lanugem. Ela revirou os olhos e cobriu a boca com a mão, para rir, quando eu lhe disse como era parecido com o olhar o seu rosto numa manhã enevoada de caça ao pato. E ela disse : "" Agora me diga para que é que você quereria nesse bendito mundo estar sozinho comigo lá fora, numa tocaia de pato?"" Disse-lhe que ela poderia tomar de conta da minha arma, e as moças começaram a rir com a boca escondida atrás das mãos na fábrica inteira. Eu também ri um pouco, vendo como havia parecido inteligente. Anda estávamos conversando e rindo quando ela agarrou meus pulsos e os apertou com as mãos. Os traços do seu rosto de repente se acentuaram num foco radioso; vi que ela estava aterrorizada por alguma coisa.
- Leve-me - disse ela num murmúrio - Leve-me mesmo garotão. Para fora desta fábrica aqui, para fora desta cidade, para fora desta vida. Me leva para uma tocaia de pato qualquer, num lugar qualquer. Num outro lugar qualquer. Hem garotão, hem?”

One Flew Over the Cuckoo's Nest

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“Depois de Aqcha, a cor da paisagem mudou de chumbo para alumínio, tornou-se pálida e mortiça, como se há milhares e milhares de anos o sol lhe sugasse a alegria. Estávamos agora na planície de Balkh, que se diz ser a cidade mais antiga do mundo. Os maciços de árvores verdes, os tufos de erva áspera e cortante em forma de repuxo, quase pareciam negros, pois destacavam-se sobre o fundo daquela tonalidade mortal. De vez em quando, avistávamos um campo de cevada. O cereal estava maduro, e turcomanos em tronco nu colhiam-no com foices. Mas não era castanho nem dourado, nem lembrava Ceres, nem abundância. Parecia ter embranquecido prematuramente, como o cabelo de um louco, perdendo tudo o que nele fora nutritivo. E destas extensas mortalhas, primeiro a norte e depois a sul da estrada, elevavam-se as formas branco-acizentadas e carcomidas de uma arquitectura antiga, montículos, sulcados e esmaecidos pela chuva e pelo sol, mais estafados do que qualquer obra humana por mim vista: uma pirâmide torta, uma plataforma afunilada, um maciço de ameias, um animal agachado, com que os gregos de Báctria estavam familiarizados, e Marco Polo depois deles. Já deviam ter desaparecido. Mas foi o próprio impacto do sol, que, congregando a pertinácia daquele barro de cinza, permitiu conservar uma centelha inextinguível de forma, a centelha que não se encontra numa fortificação romana, nem numa mamoa coberta de erva, a centelha que continua a tremeluzir num mundo mais luminoso do que ela própria, cansada como só um suicida frustrado consegue ser.”

The Road to Oxiana

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“Há uma literatura para quando se está aborrecido. Abunda. Há uma literatura para quando está calmo. Esta é a melhor literatura, acho. Também há uma literatura para quando se está triste. E há uma literatura para quando se está alegre. Há uma literatura para quando se está ávido de conhecimento. E há uma literatura para quando se está desesperado. oi esta última que Ulisses Lima e Belano quiseram fazer. Grave erro, como se observará a seguir. Tomemos, por exemplo, um leitor médio, um tipo tranquilo, culto, de vida mais ou menos sadia, maduro. Um homem que compra livro e revistas de literatura. Bem, aí está. Esse homem pode ler aquilo que se escreve para quando se está sereno, para quando se está calmo, mas também pode ler qualquer outra classe de literatura, com o olhar crítico, sem cumplicidades absurdas ou lamentáveis, com desapaixonamento. É o que eu acho. Não quero ofender ninguém. Agora, pensemos no leitor desesperado, aquele a quem presumivelmente é dirigida a literatura dos desesperados. Quem é ele? Primeiro; é um leitor adolescente ou um adulto imaturo, acovardado, com os nervos à flor da pele. É o típico babaca (perdoem a expressão) que se suicidaria depois de ler Werther. Segundo: é um leitor limitado. Por que limitado? Elementar, porque só pode ser literatura desesperada ou para desesperados, dá na mesma, um tipo ou um exemplo, A montanha mágica (em minha modesta opinião, um paradigma da literatura tranquila, serena, completa) ou, já que aqui estamos, Os miseráveis, ou Guerra e Paz. Acho que fui bem claro, não? (…) E mais: os leitores desesperados são como as minas de ouro da Califórnia. Mais cedo do que se espera eles se esgotam! Por quê? É evidente! Não se pode viver desesperado a vida inteira, o corpo acaba se dobrando, a dor acaba se tornando insuportável, a lucidez se esvai em grandes jorros frios.”

Roberto Bolaño (1953–2003)
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