“E eu que, vez em quando, deito um travessão na mensagem — só para ser confundido com um “Chatbot”.”
“E eu que, vez em quando, deito um travessão na mensagem — só para ser confundido com um “Chatbot”.
Mas um travessão é muito mais do que sinal gráfico — é um gesto.
Um pequeno ato de ousadia que só pratica quem não teme ser percebido.
Quem escreve com consciência do que carrega, e com a leveza de quem não precisa provar nada além da própria honestidade com as palavras.
Porque, no fundo, escrever é isso:
um jogo silencioso entre coragem e sensibilidade.
Coragem para tocar onde dói —
Sensibilidade para não machucar lugar nenhum.
E um travessão, bem deitado, talvez seja o símbolo mais humilde dessa bela dança.
Ele separa, sim, mas também aproxima…
Às vezes, pausa… mas empurra adiante.
Ele corta… mas também convoca.
Às vezes parece apenas um traço, mas é um traço que fala:
"Ei, aqui entra algo que só os atentos percebem."
E quem ousa usá-lo não o faz por frescura gramatical —
mas por afeto estético, intuição narrativa,
e essa espécie de maturidade que só têm os bem resolvidos:
bem resolvidos consigo, com o que dizem,
e até com o que deixam de dizer.
No fim, o travessão é como o pincel que se deixa cair de propósito:
não é descuido, é assinatura.
Não é desatenção, é presença.
E se alguém confunde isso com um “Chatbot”…
ah! — que continue confundindo.
Porque a arte, quando bem feita, normalmente já confundiu até quem a criou.
E aqui para nós — risos — às vezes um travessão bem deitado é mesmo isso: um pincel que se joga, de caso pensado, sobre a tela.
Um atrevimento sereno, cheio dessa sinergia rara entre arte, responsabilidade e sensibilidade — um trio que costuma morar apenas nos que já fizeram as pazes consigo e com a própria forma de criar.
A intenção, claro, era fornecer lenha para queimar.
E o fogo aceitou.
Porque, é preciso muita coragem para se aventurar na arte de escrever.
É preciso alguma loucura mansa para deixar palavras escaparem sabendo que podem ferir, curar, provocar ou até acalmar.
E é preciso ainda mais sensibilidade para permitir que elas se entendam com as imagens — porque, quando elas resolvem brincar juntas, quem escreve vira mero coadjuvante.
A palavra abre caminho.
A imagem acende.
O travessão risca.
E o gesto final surge sozinho —
como se a chama tivesse vontade própria.
Talvez não haja atrevimento mais bonito e charmoso do que o dos que se aventuraram e se aventuram no ofício de escrever.
Porque escrever é primeiro se arriscar —
e só depois se revelar.
E haja atrevimento pra tocar quem se atreve a ler!
Pois, quem escreve, abre portas, mas quem lê, precisa ter coragem
de entrar.
No fim, talvez seja assim que a arte realmente nasce:
do encontro entre um risco, uma intenção e a ousadia de se deixar queimar.
E nós apenas sopramos o fogo —
porque a Lenha, a Faísca e o Incêndio Poético
já estavam ali — todos —
pedindo pra brincar.”
Tópicos
ser , caso , corte , todo , bonito , real , sobra , sinergia , machucar , incêndio , claro , fim , palavra , consciência , leveza , chama , ferir , ainda , lugar , normal , porto , pausa , honestidade , poético , junta , sinal , final , dizer , prática , porta , intuição , espécie , mensagem , fundo , tela , paz , arte , coragem , jogo , gráfico , maturidade , sozinho , próprio , estética , além , risco , lenha , imagem , bem , feito , algum , dança , costume , caminho , sim , frescura , símbolo , nada , riso , sensibilidade , descuido , joga , ousadia , fogo , gesto , afeto , ali , paz , intenção , encontro , vontade , aqui , ofício , deitado , traço , assinatura , arte , responsabilidade , ato , loucura , propósito , presença , onde , pequeno , narrativa , vez , cheia , formaCitações relacionadas
“Uma vida não é nada. Com coragem pode ser muito.”
Vale o escrito: crônicas publicadas na imprensa - Página 105, Carlito Maia - Editora Globo, 1992, ISBN 852501091X, 9788525010919, 165 páginas
No teu deserto
Variante: Escrever é usar as palavras que se guardaram: se tu falares de mais, já não escreves, porque não te resta nada para dizer.