“mas o amor, essa palavra… Moralista Horacio, temeroso de paixões sem uma razão de águas fundas, desconcertado e arisco na cidade onde o amor se chama com todos os nomes de todas as ruas, de todas as casas, de todos os andares, de todos os quartos, de todas as camas, de todos os sonhos, de todos os esquecimentos ou recordações. amor meu, não te amo por ti nem por mim nem pelos dois juntos, não te amo porque meu sangue me faça te amar, amo te porque tu não és minha, porque tu estás do outro lado, desse lado pra onde me convidas a saltar e não posso dar o salto, porque no mais profundo de tudo tu não estás em mim, e não te alcanço, não consigo passar pra lá do teu corpo, do teu riso, há horas em que me atormento por saber que tu me amas (…), atormento me com o teu amor que não me serve de ponte, pois uma ponte não se apoia de um só lado, Wright ou Le Corbusier jamais farão uma ponte apoiada de um só lado e não me olhes com esses olhos de pássaro, pra ti a operação do amor é muito fácil, tu ficarás curada antes de mim, e a verdade é que não amo aquilo que amas em mim.” Julio Cortázar Casa , agua , De amor , Riso
“Até agora, nunca tinha amado as suas amantes; havia algo nele que o levava a tomá-las demasiado depressa para ter tempo de criar a aura, a zona necessária de mistério e desejo que lhe permitisse organizar mentalmente aquilo que poderia um dia chamar-se amor.” Julio Cortázar De amor , Tempo , Amantes
“Já acreditara alguma vez no amor como enriquecimento, como exaltação das potências intercessoras. Certo dia, deu-se conta de que seus amores eram impuros porque pressupunham essa esperança, enquanto o verdadeiro amante amava sem esperar o que quer que fosse fora do amor, aceitando cegamente que o dia se tornasse mais azul e a noite mais doce e o bonde menos incômodo. 'Até da sopa eu faço uma operação dialética', pensou Oliveira. Suas amantes acabavam sempre se tornando suas amigas, cúmplices numa contemplação especial das circunstâncias. As mulheres começavam sempre por adorá-lo (ele era verdadeiramente hadorado por elas), por admirá-lo (uma hadmiração hilimitada). depois algo as fazia suspeitar do vazio, recuavam e ele lhes facilitava a fuga, abria-lhes a porta para que fossem brincar em outro lugar. em duas ocasiões, estivera a ponto de sentir certa piedade e de lhes deixar a ilusão de que o compreendiam, mas algo lhe dissera que sua piedade não era autêntica, era antes um recurso barato do seu egoísmo e do seu tédioe dos seu hábitos. 'A Piedade está em liquidação', dizia Oliveira, e deixava que elas fossem embora, se esquecia delas muito rapidamente.” Julio Cortázar livro Rayuela Rayuela Noite , De amor , De mulheres , De deus
“Amor, cerimônia ontologizante, doadora de ser. E por isso pensava agora o que talvez devesse ter pensado desde o princípio: sem possuir-se não havia possessão da outridade, e quem se possuía realmente? Quem estava de volta de si mesmo, da solidão absoluta que representa não contar sequer com a própria companhia, ter que entrar no cinema ou no prostíbulo ou na casa dos amigos ou em uma profissão absorvente ou no matrimônio para estar pelo menos só-entre-os-demais?” Julio Cortázar livro Rayuela Hopscotch De amor , Casa , Solidão