“Nos escritórios não existem amigos; existem sujeitos que a gente vê todos os dias, que se enfurecem juntos ou separados, fazem piadas e se divertem com elas, que trocam suas queixas e se transmitem seus rancores, que reclamam da Diretoria em geral e adulam cada diretor em particular. Isto se chama convivência, mas só por miragem a convivência pode chegar a parecer-se com a amizade. Em tantos anos de escritórios, confesso que Avellaneda é meu primeiro afeto verdadeiro. O resto traz a desvantagem da relação não escolhida, do vínculo imposto pelas circunstâncias. O que eu tenho em comum com Muñoz, com Méndez, com Robledo? No entanto, às vezes rimos juntos, tomamos um trago, tratamo-nos com simpatia. No fundo, cada um é um desconhecido para os outros, porque neste tipo de relação superficial fala-se de muitas coisas, mas nunca das vitais, nunca das verdadeiramente importantes e decisivas. Creio que o trabalho é que impede outro tipo de confiança: o trabalho, essa espécie de constante martelar, ou de morfina, ou de gás tóxico. Algumas vezes, um deles (Muñoz, especialmente) se aproximou de mim para iniciar uma conversa realmente comunicativa. Começou a falar, começou a delinear com franqueza seu auto-retrato, começou a sintetizar os termos do seu drama, desse módico, estacionado, desconcertante drama que intoxica a vida de cada um, por mais homem médio que se sinta. Mas há sempre alguém chamando lá no balcão. Durante meia hora, ele tem de explicar a um cliente inadimplente a inconveniência e o castigo da mora, discute, grita um pouco, seguramente se sente envilecido. Quando volta à minha mesa, olha para mim e não diz nada. Faz o esforço muscular correspondente ao sorriso, mas suas comissuras se dobram para baixo. Então, pega uma planilha velha, amassa-a no punho, consciensiosamente, e depois a joga na cesta de papéis. É um simples substituitivo; o que não serve mais, o que ele atira na cesta do lixo, é a confidência. Sim, o trabalho amordaça a confiança.” Mario Benedetti livro The Truce La tregua
“Sei que quando uma pessoa vê as coisas de fora, quando não se sente implicada nelas, é muito fácil proclamar o que é mau e o que é bom. Mas quando se está metido até ao pescoço no problema (e eu já estive muitas vezes assim) as coisas mudam, a intensidade é outra, aparecem convicções profundas, sacrifícios e renúncias inevitáveis que podem parecer inexplicáveis àqueles que são meros observadores.” Mario Benedetti livro The Truce La tregua
“Acho que, nesta luminosa Montevidéu, os dois partidos que mais progrediram nestes últimos tempos são os dos maricas e o dos resignados. "Não se pode fazer nada", dizem as pessoas. Antes, só dava suborno quem queria conseguir algo ilícito. Vá lá. Mas, agora, também dá suborno quem quer conseguir algo lícito. E isso significa afrouxamento total. Mas a resignação não é toda a verdade. No princípio foi a resignação; depois, o abandono do escrúpulo; mais tarde, a conivência. Foi um ex-resignado que pronunciou a célebre frase: "Se os de cima roubam, eu também quero." Naturalmente, o ex-resignado tem uma desculpa para sua desonestidade: é a única forma de os outros não levarem vantagem sobre ele. Diz que se viu obrigado a entrar no jogo, porque, do contrário, seu dinheiro valia cada vez menos e eram mais numerosos os caminhos corretos que se lhe fechavam. Continua mantendo um ódio vingativo e latente contra aqueles pioneiros que o obrigaram a seguir esse rumo. Talvez seja esse, afinal, o mais hipócrita, já que nada faz para safar-se. Talvez seja também o mais ladrão, porque sabe perfeitamente que ninguém morre de honestidade.” Mario Benedetti livro The Truce La tregua
“Blanca, pelo menos, tem algo em comum comigo: também é uma triste com vocação de alegre.” Mario Benedetti livro The Truce La tregua