Vergílio Ferreira: Outro (página 2)

“A melhor forma de te não dizerem pequeno é dizeres dos outros que são grandes. Sobretudo se for mentira.”

“O maior paradoxo do desejo não está em procurar-se sempre outra coisa: está em se procurar a mesma, depois de se ter encontrado.”

“Ser tímido é dar importância aos outros. Ser desinibido é dá-la a si próprio. Mas normalmente o tímido tem-na. O desinibido não.”

“Mau sinal quando nos dizem que estamos «na mesma». Significa isso que devíamos estar «na outra».”

“De duas ou mais dores simultâneas, a nossa atenção escolhe uma e quase esquece as outras. Na ruína do nosso tempo, vê se escolhes o mais importante dela. Evitarás assim o ridículo de chorar a perda de um alfinete numa casa que te ardeu. E a História olhar-te-á com simpatia - talvez vá mesmo para a cama contigo.”

“Uma mulher bela concentra no rosto a atenção dos homens. Mas se essa mulher se despir, a atenção concentra-se noutro lado. E a razão é simples: é que esse lado é que é a razão do outro.”

“Não consideres petulante um autor quando diz que os outros lhe não interessam nada. Pensa apenas que não é o que os outros fazem que ele quereria fazer. E não o julgues petulante mas honesto. Ou humilde.”

“É curioso. Cheguei já a uma idade em que a deferência dos outros não sei se é por aquilo que realizei, se pelos anos que tenho.”

“Na mulher amada não está só a mulher amada mas também aquela que o homem leva consigo. Quando esta se absorve na outra, o amor acabou.”

“A alegria do que nos alegrou dura pouco. A dor do que nos doeu dura muito mais. Vê se consegues poupar a alegria e esbanjares o que te dói. Vive aquela intensamente e moderadamente. E atira a outra ao caixote. Talvez chegues a optimista profissional e tenhas uma bela carreira de político.”

“Falar alto para quê? Poupa as forças, fala baixo. Poderás talvez assim ser ouvido ainda, quando os outros que falam alto se calarem estoirados.”

“O respeito pela liberdade do espectador só tem igual no respeito do autor por si próprio. Porque é por respeito por si próprio que ele não se comove nem se ri, a não ser pelo que sobra ou é um excedente da sua vontade de rir e de se comover. É da sua estabilidade ou «indiferença» que transborda o que há-de comover ou fazer rir os outros.”

“É fácil que um escritor se não pareça com os outros. O que é difícil é que ele se pareça consigo.”

“Há a coragem física que se chama robustez, e há a coragem moral que se chama fortaleza. De uma a outra vai a distância de um homem.”

“Não te diminuas diante dos outros. Aqueles que te admiram podem sentir-se vexados. E tens a obrigação de ser amável com eles.”

“Colher na moral a virtude em face dos outros. Vou-me sentindo amoral.”

“A fé é uma esperança terrorista como a esperança é uma fé democrática. A fé é um acto solitário. A esperança tem de ter em conta o que a excede. Mas na primeira está a certeza e na outra a dúvida.”

“A História é feita de máximos que só o são porque quando o foram não calhou haver outro ou pôde haver outro que os relativizasse.”

“A diferença que vai de ti aos outros, é que quando os outros morrerem, o universo continua.”