Letícia Sales

@[email protected], membro de 15 de Dezembro de 2021

Data de nascimento: 08. Julho 2000

A autora Letícia Sales propõe um estilo de poesia/prosa poética altamente cirúrgico, e para além de questões subjetivas, ela pauta muito o horror psicológico e social ao tecer diversas críticas referentes ao sistema vigente. Letícia geralmente também se expressa através de símbolos mitológicos e arquetípicos, no entanto, tais simbologias são exploradas de forma estritamente literária e psicológica. Os arquétipos mais recorrentes em suas obras são os femininos, dado que, cada um manifesta uma faceta complexa da essência feminina. A representação feminina em suas produções artísticas estão muito conectadas ao potencial de renascimento do ser humano, tendo em vista que, desde os primórdios da humanidade a mulher é muito ligada aos princípios de nascimento e morte/destruição e criação, sendo assim, muito conectada ao princípio criativo e à capacidade de se refazer a partir das próprias dores e fins de ciclos. Outro ponto a ser ressaltado é que a autora faz críticas à constante demonização das diferenças, que são justamente representadas em suas obras através de corpos femininos renegados ou vistos com desconfiança, tais como: Lilith, Medusa, Hécate, a figura da bruxa na inquisição e etc. Ademais, a autora desenvolve muitos conceitos filosóficos em suas obras, principalmente o existencialismo como meio de incitar o ser humano na busca por uma existência mais consciente e baseada na afirmação da vida através das autossuperações. Algo muito único na escrita da autora seria a organicidade a qual a mesma desenvolve suas obras, pois elas são essencialmente expressivas, e por vezes expõem os mais profundos horrores que crescem no interior do ser humano ao ponto de ganharem forma e vida. A autora também traz os estudos de Carl Gustav Jung diluídos em suas produções artísticas, trabalhando principalmente o arquétipo da sombra e o da persona.

Vida pessoal: Letícia Sales nasceu no extremo Sul de São Paulo e estudou em escolas públicas durante boa parte de sua vida. A autora possui sensibilidade e criatividade muito afloradas desde criança, e utilizou-se desses mecanismos para se proteger de um evento traumático que ocorreu durante a sua primeira infância, tais mecanismos a fizeram misturar de forma exagerada a realidade com a fantasia por um certo período de sua infância.
Extremamente crítica e questionadora, apesar de muito estudiosa e uma ávida leitora, a autora sempre foi autodidata e nunca se encaixou bem no sistema educacional, achando-o constantemente injusto e limitante; sendo a sede por mudança, um dos motivos que a fez cursar Letras e optar pela carreira acadêmica. Letícia Sales é uma personalidade autêntica e fortemente influenciada pelo movimento grunge, principalmente pela banda Nirvana, tendo sido a construção estética do álbum "In utero", uma inspiração essencial para a formação da sua identidade como escritora. A autora possui depressão e se sentiu sucessivamente deslocada durante a sua vida, tendo encontrado na literatura uma cura constante para os seus conflitos internos. A sua autenticidade se manifesta através de escritos, que vão desde poemas e prosas poéticas até fluxos criativos e poesias narrativas que quebram métricas e rimas, de forma a darem vazão a um alto teor expressivo. Letícia teve o privilégio de crescer em um ambiente que a estimulou a ler desde cedo, e ao mesmo tempo pôde extrair muito sobre a desigualdade social ao transitar entre a periferia de São Paulo e os grandes centros, logo, apesar de presenciar o potencial transformador da literatura, também testemunhou a negligência na sua democratização, tendo em vista que, a literatura no Brasil não é tratada como um direito, tal fato constitui a principal bandeira da autora: "O direito à literatura."

“Poética - Alegoria da caverna: Lilith

Durante o apocalipse do tempo
fui expulsa do paraíso dos homens, donde toda a luz do universo era sufocada perante a penumbra das ilusões humanas.

Os mistérios da vida pereciam sob imagens turvas; e todos os suicidas jaziam tácitos e encavernados no Jardim das lamentações.
Um lugar situado por entre os cais celestes da desordem mental, cavado pelas chagas mais fundas do abandono e regado pelos
murmúrios (…)

As almas cativas encontravam-se em perene estado paradisíaco. E mesmo nuas não se enxergavam, pois as sombras da realidade encobriam seus corpos ébrios com a ilusão da sobriedade.

No jardim das lamentações, nenhuma lamentação era ouvida, pois a luz paradisíaca das almas cativas cegava os suicidas e os levava ao seu próprio inferno.

- E de que adiantarias toda a droga farmacêutica que germina na árvore patológica de um jardim pútrido?

Ao revoltar-me contra as correntes
da vida; fui condenada a viver em meu próprio abismo, procriando junto aos meus demônios internos.
Assim povoamos a terra com criaturas sórdidas e reveladoras.

De minha cópula interior nasceram poesias taciturnas, pequenos diabos líricos que até hoje vagam a nutrir-se das almas perdidas, vertendo-as em asas para os meus arcanjos.

E quando perguntares quem sou, eu direi:

- Eu sou a solidão de cada Adão que na terra pisastes, aquela separada do barro que compõe tua carne, e lhe mostra a frígida anatomia de sua própria presença solitária.

Sou a deusa do meu próprio inferno mental, que vives a sussurrar a filosofia nos ouvidos dos moribundos, para soprar-lhes o último suspiro de vida.

Sou a essência feminina renegada pelo medo.

E quando perguntares como sobrevivo em minhas dores que povoam a terra, direi:

- Ora, não vês que a cada dia 100 demônios em mim perecem para que eu possa continuar a viver com uma alma demasiadamente fértil?

E assumo os meus pecados -

Abandonei todos os que ousaram me amar sem antes entregar-me a própria alma.

Quando sentires a realidade queimar tuas vísceras; serei eu, a rainha da noite; a que rege os sete arcanjos da liberdade, convocando-te a retirar-se de suas próprias ilusões.

Sussurrarei no mais fundo da tua alma: "Para crescer e chegar ao céu, tu deves primeiro criar raízes que penetrem teu próprio inferno."
Deves abraçar os teus demônios e exilar-se dos falsos paraísos.

Sob tuas crises de ansiedade mais fortes, serei eu tal qual serpente lânguida a rastejar tremente no fundo da tua alma.

E antes de entregar-se ao pecado,
lembre-se que a mesma forma que liberta-te dos falsos paraísos, podes levar-te a morrer precipitadamente, eis que sou a melancolia vindoura fustigada pelo fruto amargo da vida.

- Letícia Sales”